sábado, 31 de janeiro de 2009

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

"We Are Beautiful, We Are Doomed"




Partir para ficar


















Mãe, eu quero ficar sozinho.
Mãe, não quero pensar mais.
Mãe, eu quero morrer mãe.
Eu quero desnascer, ir-me embora, sem sequer ter que
me ir embora.
Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim.
Outro maldito que não sou senão este tempo que decorre
entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo,
de quê mãe?
Diz, são coisas que se me perguntem? Não pode haver
razão para tanto sofrimento.
E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos
partir, para regressar?
Partir e aí nessa viagem ressuscitar da morte ás
arrecuas que me deste.
Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os
olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra,
mar, mãe...
Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar
nota a nota o canto das sereias... Lembrar cada
lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir
aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para
ficar...

José Mário Branco



Linda Martini
Partir para ficar

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

United Colors of Cuscolhon

Cusco












Pegadas do Santo Sapo en tierras peruanas...

Cap. I

Lima


Miraflores

O Sapo anda histérico. Achou que teria encontrado finalmente o seu habitat natural por terras sul-americanas, mais especificamente em Lima. No meio da bicharada que anda por ali à solta e disposta a ouvir o Seu chamamento, alimentou Sua sede de socializar, e simultaneamente, camuflou-Se entre os cactos nas horas que exigiam introspecçäo e recolhimento. A fusão de cores estridentes e invariavelmente alegres da cidade, provocou-Lhe uma volúpia que só Lhe conheci na Tournée Senhora da Hora. Na chegada, ao sair do aeroporto, deu de olhos com uma conduta de esgoto viária, mas logo ali ao lado, num passeio caótico, uns tantos quantos bastantes imensos cactos deram-Lhe as boas vindas. Leu, nessa passagem, um sinal.
Depois de cumprimentar essas plantas fálicas, lançámo-nos, eu e o Santo Sapolas, a conhecer a espécie animal mais complexa: o Homem. E o Sapo assustou-Se porque depois de Portugal e Espanha, os dois dias que esteve a encubar em casa no Rio de Janeiro, não Lhe permitiram lidar com a realidade sul-americana versão rua. Assustou-Se porque procura animais, mas jamais pensaria encontrá-los em tal estado bruto e selvagem. Juntou-se ali, à Sua volta, uma massa de aparência inconfundivelmente peruana, à qual se somou um comportamento evocativo do tipo marroquinó-pegajoso, com uma pitada de raiva e impaciência imprimida nos pedais das vans-caixote-curral, que quase servilmente atropelavam quem acenava nas bermas, à espera de entrar nessa aventura das velocidades e seriedades desconhecidas. Já que por quem passávamos nos alertava para o perigo do Ser fundador do "O Partido" andar nessas roletas da sorte, e tanto o preço como a oferta dos táxis embaciarem os olhöes do Santo, estes transportes carregados de símbolos cristãos, acabaram por ser a nossa escolha durante toda a estadia em Lima. Apesar dos senhores falarem mais do que o que deviam, o Sapo colava-Se à janela e entrava num daqueles filmes centro/sul americanos de um desses países exóticos, onde essas cores e essas músicas se entrelaçam numa dança vertiginosamente obscena. Só assim pudemos conhecer os subúrbios das casinhas-goma, a maioria das quais, cortada à faca no último piso sem-nome, sem tecto, sem lei. Encontramos, em Lima, a versão lúdica das favelas brasileiras, nos cerros vestidos permanentemente e a rigor para o Carnaval.

Quando chegamos ao centro compreendemos o porquê de toda a atenção da cidade se voltar para lá. Parece-me que para conhecer os subúrbios bastará um movimento mais acelerado, dado que todos os bairros parecem parentes e cedo se apreende o padrão. O centro já exige calmo. A praça de armas, mais comummente catalogada de Plaza Major, rompe abruptamente com qualquer escala familiar, sendo envolvida por uma arquitectura majestosa que, tanto a mim como ao sapo, nos esmagou, mastigou e cuspiu.
À volta cruzam-se, numa fiel retícula, ruas confortáveis adeptas da continuidade e sensibilidade. As fachadas das casas surpreendem o olhar do pedestre com uma fusão entre cores quentes e molduras e caixilhos em madeira. Além disso, as casas impõem a sua presença nos canais através da expressiva afirmação das marquises, em madeira cuidadosa e habilmente trabalhada, que se lançam sobre o tumulto das ruas, entretendo o olhar vago e oscilante do sonhador, que se projecta, num primeiro plano para elas, depois divaga e devaneia no vazio.

Os diferentes serviços agregam-se por tema, conformando zonas. Nosotros nos quedamos pelas terras dos ateliers de design gráfico titanicados com máquinas sem vida e montras sensaboronas. Autêntica pornografia imagética. O chão ali esqueceu-se do indivíduo, ponto de chegada-ponto de partida, enquanto essência dessa matéria que deveria ser tão peculiar.

Da mesma forma, as pessoas continuam indistinguíveis entre si, imitindo ruídos que se confundem com os motores dos veículos.

Muita pobreza, inclusivé nas calles e avenidas mais distintas da cidade; tudo se assemelha a uma feirex, não merecendo sequer o estatuto de feira. As tiendas realmente deliciosas, com o pouco artesanato que o centro oferece, escondem-se no interior de quarteirões, desenvolvendo-se à volta de pátios, abertos para a rua no máximo por 2/3 entradas pontuais e bastante neutras, não fossem 5 ou 6 cabides esquecidos em expositores insossos.

Não deixa de ser tudo novidade e, o facto de encontrar tanto bicho activo por telas e esculturas, espalhados por todos os cantos, conduziu o Santo Sapito a dar-me uma nova lição. Ensinou-me a superar a imagologia através da ideologia, subornando a ordem natural do computador divino.